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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Historias da Ditadura Militar de 1964 (02)

 

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Capa do livro de Nelson Gatto    -    (Foto publicada com a matéria)

 

O jornalista foi calado

 

"O depoimento que ora torno público, escrito em papel de embrulho num cárcere imundo de um dos sombrios navios-prisão em que brasileiros foram trancados, tratados como criminosos, é a explicação que dou aos meus amigos. Sem qualquer pretensão literária, é apenas um documento a retratar o Brasil numa época desgraçada."

Assim começa o livro Navio Presídio que poucos leram, ao contrário do que seu autor, o jornalista Nélson Gatto, pretendia. Escrito em 65, foi apreendido pelo Dops (N.E.: Delegacia de Ordem Política e Social) sem chegar às livrarias. A Justiça Civil mandou devolver o livro que, em seguida, foi apreendido pela Aeronáutica. No Superior Tribunal Militar, mais uma vez - e desta por 10 a 0 - veio ordem para que fosse liberado, pois o relator, general Mourão Filho, nada viu de pernicioso em seu texto. Mas o então coronel da Aeronáutica, Francisco Renato de Melo, não obedeceu à ordem: invadiu a gráfica, apreendeu toda a edição e lançou-a ao mar. Somente um exemplar escapou.

Depois o coronel justificaria ao autor: "Os juízes têm canetas, nós temos metralhadoras". Gatto, que havia passado 43 dias no navio-presídio, voltou a ser preso em 67, para responder sobre o livro, conforme prometera o então capitão dos portos, Júlio de Sá Bierrembach. Em 1968, novamente preso:

- Era véspera de 1º de maio - conta o jornalista - e corriam boatos de que haveria manifestações. Então fui encarcerado pelo II Exército. Durante o discurso, o governador Abreu Sodré foi apedrejado em praça pública e o Serviço Secreto da Aeronáutica me identificou como o líder do apedrejamento, o que A Gazeta noticiou em manchete. E eu na cadeia o tempo todo. Foi uma desmoralização geral.

- Em 1970 fui acusado de ter articulado, ou participado, ou sei lá o que imaginaram, no seqüestro do cônsul japonês. Aí fui para a Operação Bandeirantes, na rua Tutóia (N.E.:Oban, órgão da repressão nessa rua da capital paulista), onde passei onze dias. O que aconteceu ali faz o episódio do Raul Soares parecer um passeio. Numa ocasião me deixaram horas na beira da represa Billings, totalmente nu e com uma pedra amarrada no pescoço. Depois me levaram para um matagal e mandaram que eu corresse. Fiquei parado como uma estátua apesar dos tiros que dispararam próximos a meu corpo, e isso, sem dúvida, me salvou a vida.

- Queriam que eu confessasse que estava envolvido no seqïestro, o que era um absurdo total. Me colocaram dois dias numa pequena cela, totalmente escura, com um rato enorme e faminto. Se eu me sentava, o rato atacava e mordia. E naquela escuridão eu não conseguia matá-lo. Fiquei o tempo todo em pé, procurando chutá-lo. Além disso, tomei choques e fui espancado. Vi numa cela coletiva um grã-fino de São Paulo, Paulo Henrique Sawaia, tentar achacar o Tomas Farcas, dono da Fotótica, que também estava preso. Ele disse a Farcas que tudo se resolveria se desse dinheiro para a repressão política. Ele recusou e, nos dias seguintes, prenderam-lhe um filho e a filha.

- Fiquei 343 dias preso como suspeito e quando seqüestraram o cônsul suíço no Rio, fui incluído na lista. Enviaram-me para o Rio, mas me recusei a deixar o país. Aí, tentaram me usar para fazer propaganda e fizeram com que gravasse um depoimento para a televisão, de 40 minutos, nos quais não fiz um elogio sequer à revolução. O depoimento acabou saindo todo cortado, reduzido a oito minutos, porcamente montado. Queriam que eu condenasse o seqüestro e afirmasse que estava sendo bem tratado. O que falei foram das torturas, o que não servia a seus propósitos.

- Foi tudo coisa de um promotor da Justiça Militar, Durval Aírton de Moura Araújo, que queria me pegar de qualquer maneira. Era tão desequilibrado que atualmente é procurador, de modo que não participe de mais nada. Ele chegou a me acusar de distribuir armas a manifestantes em Santo André, no dia da morte do Assis Chateaubriand (N.E.: fundador do grupo jornalístico Diários Associados). Acontece que durante a manifestação eu estava ao lado do delegado Alcides Cingilo, do Dops. Assim mesmo, a denúncia daquele desequilibrado foi publicada em página inteira do Estadão.

Nelson Gatto era jornalista dos Diários Associados e, antes da revolução, foi transformado em chefe do Departamento de Repressão ao Contrabando em S.P., posição a que foi chamado pelo II Exército, pela experiência demonstrada nas grandes reportagens que fez denunciando gangs contrabandistas, "os bandidos de casaca", como costuma dizer. Quando foi dado o golpe militar, conseguiu fugir disfarçado de padre, e se entregou posteriormente. Como jornalista, foi correspondente de guerra durante a invasão de Goa, na guerra do Congo, e na luta de libertação da Argélia, sobre os quais também escreveu livros. Hoje, anistiado, pretende voltar ao jornalismo, do qual foi afastado por ordem militar.

O repórter escreverá novamente.

Fonte:

http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0181.htm em 06/16/03 19:43:24

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