Creio que a minha incompatibilidade com o sistema vem desde o nascimento. Para não me alongar posso resumir que nasci no Líbano filho de mãe baiana e pai libanês membro da resistência contra o colonialismo franco-nazista. No vai-e-vem da batalha, sobrevivi graças ao leite de uma jumenta, cujo antepassado mais ilustre transportou a Família Sagrada em sua fuga para o Egito.
E antes que me acusem de divagação explico que esse preâmbulo tem a finalidade de demonstrar que, independente do país, os inimigos da humanidade são sempre os mesmos.
Meu pai e seus companheiros não lutavam apenas pela independência do Líbano.
Buscavam um mundo mais generoso, solidário e contrário à exploração do homem pelo homem. Vários de seus companheiros sobreviveram aos franco-nazistas para sucumbir sob as botas dos novos senhores do país que falavam de uma pátria livre e próspera, mas que acabaram transformando-a num feudo discricionário graças a acordos escusos e traições sem fim.
Devia ter uns quatro anos de idade quando, em nossa aldeia, vi meu pai fugindo a pé, perseguido por quatro gendarmes a cavalo que atiraram nele sem acertar.
Meu pai e muitos de seus companheiros não quiseram trocar seus princípios pelo conforto do poder. Preferiram passar para a História com todos os riscos que isso significava.
Sobreviveu porque encontrou abrigo no Brasil.
Mas jamais esqueceu seus companheiros de luta. Foi internacionalista até o fim de seus dias. Através dele e ainda criança, conheci Prestes e as obras de Jorge Amado e Machado de Assis. Seu livro de cabeceira era o Rubayat, de Omar Khayam. Em árabe.
Com ele aprendi que as fronteiras físicas e sociais que dividem a humanidade são antinaturais e por isso precisam ser combatidas.
Repetia sempre que fazemos parte de apenas uma raça, a raça humana.
Por acreditar e continuar acreditando nisso, minha primeira prisão aconteceu aos 16 anos de idade, em São Paulo, quando militava no movimento estudantil. Outras se seguiram. No DOPS (depois DEOPS) por diversas vezes; no Presídio Tiradentes e, finalmente, na Operação Bandeirantes (depois DOI-CODI). Enfim, nesses 40 anos, nós, brasileiros, também lutamos e sofremos.
Vários companheiros ficaram no caminho para entrar para História, outros preferiram trocar a História por migalhas de poder.
Por Georges Bourdoukan
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